10 anos

Minha avó me abraçava 4 vezes por ano: no meu aniversário, no aniversário dela, no Natal e no Ano Novo. Tirando essas datas, nunca recebi um abraço dela. Minha mãe, por outro lado, sufocou eu e meus irmãos, e éramos abraçados mesmo a contra gosto. Quando criança e adolescente eu não gostava muito de abraços, nem de demonstrações de afeto. Diversas vezes ouvi minha mãe dizer que eu era uma cavala, que eu era grossa e coisas do tipo, quando eu fugia dos zilhões de abraços que ela dava.

Meu irmão caçula sempre foi muito carinhoso. Aquele tipo de criança pequena e fofa que sorri pra todo mundo e vive abraçando os amiguinhos. Em casa não era diferente, e ao longo do tempo eu vi minha avó se acostumar com ele e até gostar. No final das contas, acho que ela teve do neto mais novo a quantidade de carinho que não teve – por não saber dar – do restante de nós. Mesmo João, que era o neto favorito (sem rivalidades, ela mesma dizia que era o João, mas juro que no final mudou pro Mário. Eu era só a “única neta”, nada de grandioso aqui) trocava por ano a mesma quantidade de abraços que eu.

Eu vi minha avó morrer aos poucos, mais rápido do que eu gostaria e mais devagar do que seria justo. Ao longo de um ano inteiro, de um agosto até o outro. Nesse tempo tanta coisa aconteceu. Eu tinha 18 anos, depois 19. Minha vó não me viu fazer 20. Esse último ano guarda as melhores lembranças que tenho dela. Me lembro das risadas e das conversas. Das comidas. Me lembro das partes engraçadas e das partes tristes, e do que ficou engraçado com o tempo (como quando minha avó – segundo todos, chapadíssima de morfina – começou a conversar com os pais em um passeio no shopping. Na época foi triste, doloroso e pesado. Hoje tenho crise de riso lembrando a cara de pavor do meu tio). Me lembro, especialmente, de que neste último ano abracei minha avó muito mais do que a soma dos abraços do restante da vida. Eu encostava nela. Eu fazia cosquinha. Eu brincava com as pelanquinhas da perda de peso. Eu passava a mão na careca recém raspada e eu ajudava a colocar na cadeira. Enquanto teve quimio, fui a todas as sessões com ela. Conversei todos os assuntos e falei de todas as modas e não consegui desvendar alguns mistérios, mas tentei.

Os últimos dez anos foram os mais difíceis da minha vida. Sei que nada do que me acontecer daqui pra frente vai superar os momentos mais escuros desse caminho. Os primeiros dez anos sem a minha avó me prepararam pra vida e pros problemas a base de muita pancada, mas também de muita determinação e – acima de todas as coisas – amor no coração. O último ano com ela me ensinou absolutamente tudo que eu precisava saber para entrar na vida adulta: o quanto guardar os sonhos pra depois pode amargar um coração; Carinho, afeto e empatia são tão necessários pro sucesso quanto força e determinação; Todo o tempo do mundo não seria suficiente com as pessoas que amamos. Tudo que temos é o agora, o momento presente. Abraços são muito mais maravilhosos quando trocados espontaneamente. O tempo acaba, mas a vida permanece: enquanto uma pessoa é celebrada, ela está viva de alguma forma. Minha avó vive nas minhas entradas e nas caras que faço. Vive no drama que todo mundo aqui faz. Vive na forma como o meu irmão conta histórias, na forma como minha mãe reclama, como meu tio fala. Meu irmão do meio é a cara dela quando jovem. Tenho certeza que meu primo tem também de alguma forma, algum jeito meio Cleyd.

E lá se foram meus 20 anos. Vem chegando na curva os 30. A dez anos atrás eu não fazia ideia que em cinco dias perderia a minha avó. Não faço ideia do que vai me acontecer em cinco dias, e pela primeira vez em muito tempo vejo isso como algo positivo. Me sinto e me vejo pronta pra encarar de frente o que vier de bom e de ruim. De tudo, fica a certeza de que dei mais abraços do que poderia imaginar. Eu amei e fui amada. Eu vivi meus 20 anos de acordo com meus princípios e ideias, e ninguém pode me tirar isso. Dedico meus últimos dez anos a ela. Não fui nem de longe a neta certinha que ela gostaria, but boy, did I live!

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