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Começar de novo

Já fui mil Dandaras no meu tempo de vida. Com 21 anos me sentia profundamente velha e esgotada. Com 36, me sinto profundamente velha e esgotada. No meio do caminho entre essas duas idades eu me senti jovem, muito jovem. Me senti começando de novo. E de novo e de novo e de novo. Eu nunca continuei. Nunca alcancei a consistência porque estava sempre brigando com a minha cabeça. Estava sempre correndo atrás com todas as forças de uma porção de coisas que eu nem queria, e então quando é assim as forças acabam. As forças se esgotam. E quando a gente ama? Quanto a gente ama não. Quando a gente ama as forças não se esgotam. E isso não é romantizar coisa nenhuma, longe de mim. É mais sobre entender que viver sem garra não tem graça. A gente começa a descontar em tudo que não devia. É cigarro, é bebida, cada um tem uma coisa onde desconta. Eu já fui mil Dandaras no meu tempo de vida, mas nenhuma até aqui fez esse impensável que me propus a fazer: parar de brigar com a própria cabeça. Parar de correr atrás do sério, do certo. Aceitar a minha própria natureza, que é arte e festa e corre por todos os lados.

Me lembro do dia em que tatuei o colo. Eu pensei “agora estou imune aos empregos chatos”. Mas eu tive muitos empregos chatos desde então. Eu tatuei a mão, o braço, a perna. E então tudo ficou muito comum, muito normal. Vi tias de braço fechado, mães de família com a perna cheia de florzinhas. Eu vivi pra ver ser uma coisa normal. Talvez só os crentes muito crentes ainda tenham alguma coisa contra tatuagens. Vai saber.

Começar de novo. E de novo e de novo. Se você não tem conexão com você mesmo, tudo é um começar de novo que nunca termina. Começar de novo não como quem tem na frente uma folha fresca em branco, mas como quem escreve pela milésima vez na mesma folha, a essa altura já castigada pela fricção da borracha. Não é começo, é negação. Tentar apagar o que foi e reescrever, ao invés de virar a página. Não se começa de novo com a cabeça no passado. Também não se começa de novo com a cabeça no futuro. É preciso estar aterrado no presente. Você não é a árvore, é a raiz. Continua correndo e correndo e encontrando caminho pra se espalhar. Começar de novo não é matar a árvore e germinar novamente da semente, é ter a raiz firme o suficiente para permitir que o vento leve embora as folhas no outono. Só assim se floresce na primavera.

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