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De volta pro meu aconchego

Hoje de manhã cedo estávamos aqui cantarolando uma música do Smiths – coisa que nem ouço faz tempo rs – e percebi que eram dela uns versos que gosto muito desde a primeira vez que entendi e que acho que resumem minha vida aqui até:

And when you want to live, how do you start?
Where do you go? Who do you need to know?

E se você quer viver, como você começa?
Onde você vai? Quem você precisa conhecer?

Sinto que nunca entendi muito bem como se vive. Minha felicidade vem sempre acompanhada de um medo ou uma tristeza muito fundos, com a voz da minha mãe ecoando na cabeça e me dizendo que se uma coisa boa acontece, logo vem uma tragédia. Um clássico, usar a felicidade como anúncio de algo grandiosamente grave e ruim. Acho que acontece com quem se fode muito. Uma hora a cabeça não consegue nem conceber que dá pra ser feliz. Uma hora a esperança abandona o corpo, parece. Queria ter conseguido segurar nessa mão. Mas então sigo eu tentando entender como se vive, como se desfruta da realidade, como se faz as pazes com o tempo e o ritmo.

E segue sendo difícil. Tenho pensado muito em terminar a faculdade de moda. Tenho costurado uma porção de coisas e, quanto mais aprendo, mais crio, mais penso, mais invento. Tem sido maravilhoso olhar de novo pra tudo que fui deixando pelo caminho graças ao meu medo imenso de dar errado. Me diziam que era tudo muito competitivo e eu, que fui a criança mais competitiva de todas, àquela altura já achava que não era capaz de ganhar nada, e me esquivei e esquivei e esquivei. Só recentemente fui percebendo a profundidade da minha falta de autoconfiança, uma coisa construída a base de tentar agradar a todos, de tentar ser o que todo mundo queria e terminar se odiando – como acontece com qualquer pessoa que tenta fazer o mesmo. Você termina não se enxergando no espelho. Você termina nem se entendendo, não sabendo onde começa você e onde terminam os outros. Uma extensão de falas e jeitos e vontades. A cabeça nublada se deixando levar por diferentes impulsividades.

Eu queria o sorrisinho do Don Draper no final do último episódio. A paz. Não porque você deixou se der o filhadaputa que você é, mas porque você aceitou o filhadaputa que você é. É essa a diferença. É isso o mais difícil para quem – como eu e o Don – acredita que é profundamente e invariavelmente e imutavelmente ruim. Como a gente aceita? Como? Eu quero aquele sorriso. O sorriso de quem explodiu ou invés de implodir e se permitiu voar por todos os lados. Eu achava que era uma Peggy, mas eu sou uma Joan. Eles nunca vão me levar a sério, então só me resta me levar a sério. Minha bunda nunca me permitiria mesmo ser qualquer coisa que não isso. Que ilusão a minha acreditar que me identificava com a menina branca que na vida real é basicamente tudo que eu amo odiar: branca, magra, bonitinha, cheia de oportunidades, “””quebrando as barreiras””” enquanto pisoteia as outras mulheres por nem compreender que qualquer dor que ela sinta é mínima se comparada a uma vida de humilhação e de ter que sorrir quando você quer explodir a cabeça deles no meio fio.

Retornando a assuntos menos Mad Men, resolvi voltar a escrever por aqui para documentar meus processos. Nada profundo ou sentimental como esse texto, na realidade. Processos de costura, de reaproveitamento, de artesanato e questionamento. Algumas informações aleatórias e todas as tentativas, mesmo as frustradas.

No momento estou aprendendo sobre acabamentos de alta costura. Zero apreço pelo luxo, gosto mesmo é da durabilidade e da impecabilidade. Quando se fala de indumentária, o que hoje é luxo há algumas décadas era roupa de loja de departamento. O mundo é uma desgraça e o capitalismo segue tentando nos extinguir rs.

Também tenho estudado um pouco mais a fundo história da moda no Brasil, que amo. Tem sido frustrante, honestamente. Acho muito sobre uma meia dúzia de estilistas famosos, mas muito pouco sobre o que o povo realmente vestia, sobre o que era sucesso na classe de onde eu vim, nos lugares por onde morei. É engraçado que não faltam registros fotográficos, mas é difícil achar textos realmente relevantes, ao menos em buscas rápidas na internet. Resta percorrer sebos e bibliotecas atrás de moldes, revistas populares e livros da época.

E pra acabar com esse texto que começa em nada e termina em coisa alguma, queria expressar minha frustração com os estilistas (ou “”designers”” rs), figurinistas, historiadores e acadêmicos de têxteis/indumentária/relacionados no Brasil. Tem muita pesquisa quando se fala de novos materiais e tecnologias, muita coisa voltada pra mercado (a gente é topíssimo nisso, né) mas a parte de história+antropologia+comportamento deixa demais a desejar. O pouco que existe é escrito de forma engessada e chata. Cadê os nerds de recriação histórica, meu Deus? Entender e recriar o que viveu e vestiu o povo é se reconectar com a história, a nossa história, e não essa história da moda enviesada e colonialista. Eu quero ler sobre a criatividade das costureiras, sobre a maestria das modelistas em adaptar moldes de alta costura para corpos diversos e tecidos frescos, quero ler sobre as peripécias feitas em nome da economia (roupa com o tecido das cortinas, estou falando contigo hihi), não sobre Dior ou qualquer pretensa revolução que só tenha feito diferença na vida das elites. Quem liga pras elites? Somos nós, e não eles, os responsáveis por mover o mundo adiante. Quando muito, eles atrapalham.

Enfim, esse é o fim dessa divagação. A hora em que a paciência me permitir fotografar o que fiz, escrevo de novo. Um dia? Um mês? Um ano? Sabe-se Deus.

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