Deixa pra lá

Em alguns dias você vai acordar se sentindo a pessoa mais maravilhosa da face da terra. Em outros, um lixo completo. Haverão dias cheios de alegria e acontecimentos. Alguns deles vão ficar guardados com carinho na memória, mas quando você parar pra relembrar a vida, vai perceber que os pequenos momentos são os mais marcantes. Uma conversa no quarto no meio da semana. A forma como o sol ilumina um determinado ponto da cidade e te faz lembrar da infância. A árvore do lado de fora da janela. De vez em quando você vai se sentir no fundo do poço. Talvez nem esteja, mas é importante respeitar a sensação. Nem tudo são flores na vida. Tentar evitar a tristeza e o desconforto jogando pro fundo da mente só faz eles se tornarem mais fortes.

Você vai esquecer alguns anos inteiros. Outros vão parecer sempre frescos no tecido da memória. Certos anos são pinturas, certos anos são rabiscos. Por vezes os rabiscos valem mais do que as imagens mais realistas. Você vai perder pessoas, e vai conhecer outras tantas pelo caminho. Nenhuma delas nunca vai preencher o espaço das que se foram. Você vai conhecer a morte e a vida. O princípio e o fim de todas as coisas. O cheiro do hálito de um recém nascido e o cheiro dos corpos em decomposição num cemitério. Com sorte, vai ver mais nascimentos do que mortes. Eu espero que chegue o dia em que você vai compreender que os dois tem a sua devida importância. Sem o que é ruim, não alcançamos a dimensão grandiosa do que é bom.

Existem pessoas que vem pra ficar. Outras vem pra ir embora. Uma sala vazia. O vazio de quem parte e a gente fica ali no canto tentando entender o que deu errado. Amigos, amores. Então em algum momento compramos um sofá. Um quadro, um tapete, uma luminária, uma mesa de centro. Antes que a gente perceba o ambiente já está redecorado e pronto pra receber outra pessoa. Certas pessoas vão deixar a cadeira vazia e ninguém nunca mais vai sentar ali. A presença permanece, mesmo quando não física. O vento de uma determinada forma, uma expressão, um papel com a letra escrita. Recortes e lembranças na colcha de retalhos que é a vida. Mas sempre tem espaço, sempre. Sempre cabe mais um na casa e no coração. Não feche a porta, ainda. Você não sabe quem vem virando a esquina.

Certos momentos parecem tão errados que é difícil seguir em frente. Aí a gente um dia olha pra trás e vê que nada foi tão ruim assim. Algumas coisas são, mas não são a maioria. Cabe a cada um encaixar as peças e continuar vivendo. Hoje vim pra casa pensando em deixar de existir. Uma tristeza muito grande veio junto com o tempo nublado. Não sei bem porque. Não busquei explicação. Deixei ela vir e passar. Chorei e senti e então me peguei ouvindo um monte de músicas que me fazem feliz. Conversei com Diogo, conversei com João. Jantei na copa de casa com a família na mesa. E de repente eu estava feliz de novo. A melancolia inerente ao tempo chuvoso permanece, mas é branda, quase uma lembrança. Eu provavelmente não vou lembrar do dia de hoje daqui a um ano. Mas como é bom me sentir presente nele agora, cercada por todo o amor que tenho e mereço.

E toda vez que bater isso tudo, volto pra ouvir de novo essa canção, e pra reaprender quantas vezes for preciso que o segredo de tudo é deixar pra lá:

 

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