Contextualização: para ler e ouvir melhor

Ler, escrever e ouvir música são minhas coisas favoritas na vida. Mesmo antes de aprender a escrever já pegava a caneta e rabiscava “palavras” no papel, ou batia teclas aleatórias da máquina de escrever. Assim que aprendi a ler me tornei uma leitora ávida: livros, bulas de remédios, letreiros, queria saber o que significavam todas as palavras ao redor. A música também faz parte da minha vida desde a infância. Minha mãe fazia tudo ouvindo música, e na casa do meu pai o violão era presença garantida nas festas, reuniões e madrugadas insones. Sempre me atentei muito às letras, mais até do que às melodias. O que queriam dizer os artistas? Qual era o sentido de tudo? Com o advento da internet, ler e ouvir música se tornaram pra mim exercícios mais completos: eu podia agora pesquisar mais sobre a vida dos cantores, bandas e autores que gostava.

Com tudo isso, e por vezes sem perceber, desenvolvi um costume maravilhoso: o da contextualização. Colocar as coisas em seu devido contexto é importantíssimo para compreender seu significado. Como nem todo mundo desenvolve isso, resolvi fazer uma lista breve, quase um guia da contextualização. Além de ajudar a ouvir e ler melhor, ajuda também na vida escolar e acadêmica. Acredito que analisar qualquer coisa fora de contexto – por melhor que seja a intenção – é sempre muito raso. Infelizmente isso tem acontecido bastante, e é uma das coisas que mais me incomoda na produção acadêmica contemporânea. Se é pra ter opinião, que seja completa! “gostei” e “não gostei” não devem fazer parte da vida de quem se propõe a escrever e pesquisar. O melhor desse exercício é que quanto mais você faz, mais tem vontade de descobrir e aprender. Como o objetivo é instigar a curiosidade e a pesquisa, seguem algumas perguntas cruciais:

1 – Em que época vivia o autor?

Essa pergunta muito simples leva a outras tão importantes quanto: o que acontecia no mundo neste período? Qual era o panorama político e social? Quais eram as modas da época? Quais são os artistas contemporâneos a ele? Em que classe social ele estava inserido? Tendo a resposta para estas perguntas, fica mais fácil pensar nas próximas e ter noção de quais assuntos relacionados à música e literatura nos interessam.

2 – Em que lugar ele vivia?

Nossa forma de ver o mundo e os acontecimentos está intimamente ligada com o lugar em que vivemos. Onde o autor passou a infância? Em que cidades viveu? Ele passou a vida no mesmo lugar? Como era este lugar? O clima, a língua, a estrutura, tudo isso influencia nossa escrita. Sem precisar ir longe, a escrita de um autor nordestino é completamente diferente de um que cresceu no sudeste. Quer um exemplo? Compare o trabalho de Caetano com o de Chico (comparar o trabalho de pessoas de diferentes regiões de um mesmo país, aliás, é outro exercício excelente!)

3 – Quantos anos ele tinha quando escreveu o livro/música em questão?

Cada fase da vida nos inspira de forma diferente. O que na adolescência parece um problema muito grave, aos 30 já não faz nenhum sentido. Da mesma forma, o que aos 30 parece o fim do mundo, nada significa aos 50 e por aí vai. Saber a idade do autor e tentar compreender suas motivações e visões de mundo pode levar a várias reflexões interessantes.

4 – Qual era o estado mental do autor quando escreveu a obra?

Além da idade, é importante pensar e pesquisar o aconteceu na vida do autor antes, durante e depois da música/livro existirem. Ele vivia sozinho? Quem eram seus amigos? O que ele fazia no dia a dia? Trabalhava com alguma outra coisa, ou se dedicava somente a escrita? Entender o background da pessoa nos ajuda a compreender seu estado mental, e as motivações por trás das letras, personagens e histórias.

5 – Quais eram as influências do autor?

O que ele ouvia e lia? Quem eram seus ídolos? O que lemos e ouvimos constrói nossa base intelectual, e essa base é impressa no nosso trabalho. Saber quem eram as influências do autor em questão nos leva não somente a compreender melhor o trabalho, mas também a buscar estas referências e aumentar nossa própria base. O mais incrível – além de ir descobrindo mais e mais coisas – é ir percebendo as influências em comum entre diferentes artistas que nos inspiram. Tentar descobrir a essência de um gosto, de onde ele vem, quem fez primeiro, isso tudo só nos enriquece! Mais do que isso, torna tudo menos superficial: o conhecimento, no geral, nos torna cada vez mais imunes a superficialidade.