Fátima Bernardes, depilação não é o problema

Estava almoçando ainda agora num bar, e comecei a ouvir no fundo o programa da Fátima Bernardes. Uma suposta especialista em alguma coisa estava falando sobre relacionamentos. Raramente concordo com qualquer coisa sobre esse assunto que falem na TV, mas hoje foi demais pra mim. A mulher falava sobre como intimidade demais ou de menos poderia ser um problema no relacionamento, e no meio da frase usou como exemplo para “intimidade demais” (uma ideia que já acho errada) a mulher que não se depila. Foi bem sutil, uns segundinhos só, mas o peso disso é tão grande que me deu vontade de escrever.

Para além de qualquer questão relacionada a autoestima – e o ódio a nós mesmas que a mídia insiste em nos fazer sentir, afinal, gente feliz não gasta dinheiro por impulso – o que mais me incomodou foi essa ideia da intimidade em excesso. O que é intimidade em excesso? Segundo essa mulher, é aparecer sem depilação. Provavelmente ela pensa o mesmo sobre aparecer sem maquiagem, ficar descabelada, parar de fazer as unhas. Normalmente, na mídia, essas coisas todas são relacionadas a desmazelo, a falta de cuidado, a mulher que “se acomoda” no relacionamento e para de se cuidar. Ninguém fala isso sobre um homem. Mais do que isso, ninguém para pra pensar que autocuidado nada tem a ver com estética. Não tem nada de errado em fazer uma coisa porque gosta, porque se sente bem, seja uma escova no cabelo ou um esmalte na unha. Não é esse o ponto. Eu por exemplo, não gosto e por isso parei. O problema é quando atrelam duas coisas que na realidade não tem relação com o intuito de fazer as mulheres se odiarem e gastarem dinheiro.

Já participei de conversas com meninas que gastavam um tempo enorme com procedimentos estéticos e coisas do tipo motivadas somente pelo medo do namorado ir embora. Mais do que isso, um pavor muito fundo de serem trocadas por outra mulher. E então a mulher fica ali, vidrada, desesperada, fazendo mil dietas e usando mil esmaltes. Mulheres fantásticas, bem sucedidas, bonitas, algumas 100% dentro de absolutamente todos os padrões. Com caras bosta. Com caras que não ligavam pra nada. Em situações em que seria infinitamente melhor pra elas se o encosto fosse embora. E aí eu pergunto: existe tal coisa como intimidade demais? Como você divide a vida com alguém que não conhece os seus anseios e preocupações? Como você desenvolve uma amizade – não consigo conceber um relacionamento que não envolva uma amizade real – com uma pessoa, se a preocupação maior é não ter “intimidade demais” para não estragar tudo? O que exatamente é estragado com intimidade demais?

E aí você tem relacionamentos rasos. Gente junta por mais tempo do que deveria. Gente que não tem nada a ver mas continua ali, com esse medo irracional e imposto de uma espécie triste de solidão. Aqueles casais em que individualmente as pessoas são de uma forma, mas quando juntas parecem perder o brilho e desaparecer. Gente junta por estar junta. E se for o cara quem sai, especialmente se envolver outra pessoa, a mulher vai sempre achar que a culpa foi dela. Ela não era bonita o suficiente ou bem cuidada o suficiente. E nada nada nada tem a ver com isso. Nunca vi um relacionamento terminar por intimidade demais. Nunca vi uma pessoa terminar com a outra porque ela parou de se depilar. Qualquer justificativa é sintoma, não causa. Intimidade de verdade é compartilhamento, é força, é beleza. Intimidade nunca é demais. Pra quem se ama, pra quem se quer de verdade, não vai ser uma buceta cabeluda que vai acabar com tudo. Não vai ser uma unha sem esmalte, um cabelo despenteado, escovar o dente na frente do outro. O que acaba com tudo é esse abismo entre as partes. O que acaba tudo é reproduzir esses comportamentos e não conseguir enxergar além deles. É entrar em relacionamentos com pessoas que não tem nada a ver só pra não ficar sozinha. É postergar o final quando o sentimento não está e talvez nunca tenha estado ali.

Enfim, achei uma puta bola fora. Tirem essa ideia quadrada da cabeça. O que mata um relacionamento não é intimidade demais ou de menos, é a falta de sentimentos ou a mudança deles. Sentimento não se inventa, nem se aumenta com beleza física, nem se faz durar seguindo qualquer que seja o padrão estético. Sentimento é o que faz um relacionamento durar. Amor e respeito. Mesmo quando o relacionamento muda de configuração. Sou a melhor amiga do meu ex namorado. Passamos quase seis anos juntos, superamos o término juntos e hoje eu sinto um puta orgulho da gente quando me pego no bar com ele e meu noivo, todo mundo bebendo e conversando e sendo feliz. Todo mundo honesto e aberto. Não é maturidade nossa, como todo mundo diz. Maturidade não tem a ver com isso. É intimidade em excesso. Muita, mesmo. Intimidade e amor num nível que tornou possível essa amizade mesmo com o fim do relacionamento. Se me depilei 4 vezes ao longo dos últimos 6 anos foi muito.